Potiguares ainda se recuperam dos prejuízos após ataques

Embora meses tenham se passado, ele não conseguiu recuperar nenhum dos bens perdidos. O apoio da esfera pública, por sua vez, também não o alcançou.

Kayllani Lima Silva
Repórter

Apenas cinzas e resquícios de sucata ocupam o local que, há um ano, representava quase 30 anos de trabalho para o potiguar José Cardoso Sobrinho. Aos 56 anos, dos quais mais da metade são atuando como motorista, ele teve seus quatro ônibus de turismo destruídos durante os ataques de março de 2023 no Rio Grande do Norte. Embora meses tenham se passado, ele não conseguiu recuperar nenhum dos bens perdidos. O apoio da esfera pública, por sua vez, também não o alcançou.


Na matemática injusta que atingiu a vida de José Cardoso, os R$500 mil correspondentes aos veículos de sua propriedade viraram apenas R$ 20 mil vendidos à sucata. A rotina, antes movimentada por viagens que ocupavam a semana, agora é incerta. Sem os ônibus, ele depende da necessidade pontual de colegas para trabalhar. Na falta de demanda nas viagens, o tempo é apenas uma brecha para que as memórias evoquem suas perdas. A esperança de recuperar seus bens, após um ano e com ações que tramitam na justiça, agora é vacilante.

Na garagem em que os veículos de José Cardoso Sobrinho foram incendiados, a área atingida segue quase inalterada – Foto: Felipe Rocha/TN Play


“De repente, se acabou tudo”. É o que o motorista afirma ao reviver a memória em que viu os ônibus queimados na garagem em que os guardava. O espaço, localizado na zona Norte de Natal, ainda conta com a região incendiada praticamente inalterada. O fogo atingiu o espaço na madrugada do dia 15 de março e foi suficiente para destruir por completo os quatro ônibus do potiguar. A informação chegou a José Cardoso por ligação. Ele imediatamente se deslocou ao espaço e assistiu ao cenário da destruição. Naquele momento, embora muitas emoções tenham sido manifestadas, a angústia e a revolta foram protagonistas.


Na necessidade de continuar mantendo o sustento da família, no entanto, ele precisou se reerguer. Além do dinheiro alcançado com a venda da sucata, dos quais parte foram direcionados aos quatro funcionários que empregava, contou com o apoio de doações realizadas pela população em uma campanha. O motorista reconhece com gratidão a solidariedade, mas ainda aguarda as ações da justiça para conseguir recuperar os ônibus. “Estou aí na luta, esperando a justiça decidir alguma coisa”, compartilha. O tom, contudo, transmite pouca esperança.

Ônibus ficaram destruídos após ataques de facções – Foto: Arquivo TN


Para José Cardoso Sobrinho, muitas promessas foram dadas: apoio da esfera pública, andamento de ações e audiências que nunca apresentam uma data marcada. Enquanto isso, vai levando a vida como pode, em um padrão muito menor que o anterior. Nas palavras dele, ‘confiando sempre em Deus’ e aguardando que a justiça seja feita para retomar os frutos de seu trabalho.


Embora tenha sido vítima das depredações, em certos momentos chega a se questionar o porquê de estar ‘pagando um preço tão alto’. Na falta de respostas do Estado, também questiona a si sobre os motivos que travam o ressarcimento dos bens e alimentam as burocracias da justiça. “Eu tô nessa idade [56 anos] e tô me aguentando porque tenho que aguentar”, enfatiza.

Marcos César viu seu meio de trabalho sendo destrúido durante ataques no Estado – Foto: Arquivo/TN


A angústia de ver a fonte de renda virar cinzas também atingiu Marcos César, de 55 anos, natural de Mossoró. Durante os ataques de março, o motorista foi abordado por um criminoso que o mandou se afastar de seu caminhão, com o qual prestava serviços de limpeza urbana, e incendiou o veículo. A cena, além de ter sido presenciada por ele, foi registrada e alcançou proporções nacionais. Mas foi exatamente com esse alcance que a história do potiguar teve um desfecho contrário ao de José Cardoso.


Com o apoio de doações recebidas por meio de uma vaquinha de 31 dias, ele conseguiu recuperar o prejuízo em maio. Antes, contudo, reconhece a tristeza e a insegurança que sentiu ao ver o fruto do trabalho virar fumaça: “tocaram fogo em um carro que era meu meio de sobreviver”. Ao todo, foram 85 dias parados até reunir recursos suficientes para comprar o novo caminhão e voltar à rotina. Nesse espaço-tempo, somada a pequena reserva financeira que mantinha, não faltou ajuda dos três filhos para garantir seu sustento.

Com o apoio recebido na vaquinha, o potiguar conseguiu comprar um novo caminhão – Foto: Arquivo/TN


Passados 12 meses dos ataques, a fé continua sendo o pilar principal para o mossoroense continuar trabalhando sem medo de represálias. Tal como as palavras, seus sonhos são sempre simples: “vencer a vida e acabou. Se Deus quiser, vou em frente, entregando tudo a Deus”, compartilha.


A reportagem da TRIBUNA DO NORTE contatou outras duas pessoas que tiveram seus veículos destruídos pelos ataques de março de 2023, mas elas relataram medo de conceder um relato e sofrer represálias. Uma delas, residente na Grande Natal, afirmou que conseguiu recuperar o caminhão perdido por meio de doações e apoio de familiares e amigos.

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